V+J
- Retiro ANUAL – O.S.F.S.
São
Francisco de Sales em seu tempo
A partir de 1517 ocorrem dolorosas divisões
no mundo cristão:
- Ruptura liderada por Martinho
Lutero (1483-1546) na Alemanha
- Ruptura liderada por João
Calvino (1509-1564) na França
- Cisma Anglicano, iniciado por
Henrique VIII (1491-1547), na Inglaterra
- Segue-se um período de
crescente polarização e guerras religiosas.
- A Igreja Católica reagiu
com o Concílio Ecumênico de Trento
(1545-1563), com
diversos intervalos, buscando definir melhor a “identidade
católica”.
- De modo bem geral, temos aí
o fundo histórico em que nasceu e viveu Francisco
de Sales.
Postura básica de Francisco de Sales
- Atitude de abertura para os novos
tempos, buscando discernir a vontade de Deus.
- Revelou-se um humanista cristão,
mantendo-se fiel ao tesouro espiritual da Patrística
e dos grandes mestres espirituais da Idade Média.
- Reconhece a grande importância
da renovação que começa no
interior da pessoa humana, vendo a pessoa humana
como um todo integrado, buscando superar o dualismo
corpo & alma.
- Numa época em que predominava
a apologia cerrada, Francisco de Sales é
testemunha de um pastor compassivo, reconciliador,
atuando com a força da bondade, mansidão
e compreensão.
- Promovia o diálogo, sereno
e convincente. Teve três encontros com Teodoro
de Beza, representante de Calvino em Genebra.
- Num ambiente em que reinava a
grosseria no modo de ser, tensões políticas
e religiosas, Francisco surge como um oásis:
uma presença que transmite paz, mansidão,
alegria... e causava admiração e fascínio,...
Mas outros se escandalizavam.
Trazendo para hoje...
São muitos ensinamentos que encontramos no
tesouro da espiritualidade salesiana.“Vivemos
um momento histórico marcado por uma inegável
“ruptura cultural” de dimensões
planetárias. As mudanças em curso
são tão céleres que mal conseguimos
acompanhá-las. Todo um modo de viver, até
há pouco tido como ideal, começou
a ser questionado. Literalmente, tudo está
sendo colocado numa perspectiva de provisoriedade
e “liquidez” e, consequentemente, carece
de sólidas referências existenciais.
Por toda parte surgem perguntas fundamentais sobre
o sentido da vida” (José Matos, H.C.,
Ao Amor pelo Amor, Mazza, 2021, Belo Horizonte,
p. 149).
“Não raras vezes, o próprio
ser humano é visto como um simples “bem
de consumo” que, após o uso, pode ser
“descartado”. Para muitos, a sacralidade
da vida e sua dimensão transcendente se perdeu.
Papa Francisco fala de uma ‘globalização
da indiferença’, tanto em relação
à pessoa humana quanto à Natureza
no seu todo.
A ideologia de mercado foi imposta como referência
quase absoluta no relacionamento humano, tornando-se
um critério decisivo no intercâmbio
social. De outro lado, a tecnologia informática
contém em si o perigo de substituir a comunicação
entre as pessoas por contatos meramente virtuais,
onde o indivíduo pode esconder sua identidade
atrás de falsos perfis, sem assumir maiores
compromissos” (ibidem).
“Não queremos negar ou subestimar os
grandes avanços que a informática
nos trouxe com possibilidades de comunicação
antes inimagináveis, mas também não
podemos fechar os olhos para suas limitações
e o risco de empobrecer sensivelmente nossa convivência
humana. Não é fora de propósito
temer o surgimento de ‘cristãos virtuais’
que se alimentam de belas mensagens e teorias edificantes,
mas são incapazes de ‘colocar a mão
na massa’. Constatamos (também entre
pessoas consagradas!) uma crescente contradição
entre o ser e o fazer, entre a realidade e a aparência.
‘Na cultura dominante – escreveu Papa
Francisco – ocupa o primeiro lugar aquilo
que é exterior, imediato, visível,
rápido, superficial e provisório.
O real cede lugar à aparência’
(EG, n. 62)” (ibidem, p. 150).
“Mais do que nunca, soa alto o grito por interiorização,
a ânsia de redescobrir os derradeiros valores
da existência, o desejo por horizontes que
ultrapassam os interesses imediatos. É neste
contexto que a pessoa e a mensagem de Francisco
de Sales adquirem uma grande atualidade. Seu pensamento,
sua orientação humana e espiritual
e seus escritos ganham surpreendente relevância
para os cristãos de nossos dias.
O Bispo de Genebra é, antes de tudo, uma
pessoa íntegra que vive coerentemente aquilo
que transmite aos outros mediante sua palavra, ação
e escritos. O que nos atrai nele é a transparência,
a serenidade, a paciência, a simplicidade,
o equilíbrio, a cordialidade, o bom senso,
a equanimidade, a valorização das
virtudes humanas, particularmente a bondade e a
finura no trato, a alegria e o otimismo” (ibidem).
Nascimento, crise e humanismo
Francisco de Sales nasceu quatro anos após
o término do Concílio de Trento. Seu
pai, Francisco de Boisy tinha 44 anos de idade,
e sua mãe, Francisca de Sionnaz, apenas 15
anos. Foi o primogênito de doze filhos, cinco
dos quais morreram logo após o nascimento.
Sempre muito dedicado aos estudos, sua vida espiritual
foi marcada em 1584 por um curso bíblico
sobre o Cântico dos Cânticos em Paris
e, depois em Pádua, pelo diretor espiritual,
o jesuíta Antônio Possevino, que desperta
nele o gosto pela Bíblia e a mística.
A crise
Ainda em Paris, Francisco enfrentou, por seis semanas
(dezembro de 1586 e janeiro de 1587), uma forte
crise existencial, relacionada a dúvidas
sobre a salvação, influenciada pelas
teorias calvinistas, relacionadas à doutrina
da predestinação. Isso o levou a um
esgotamento mental e físico. Mais tarde,
atribuiu sua cura à intervenção
de Nossa Senhora, na igreja de Saint-Étienne-des-Grès,
em Paris, onde se ajoelhou em oração
perante uma famosa estátua de Nossa Senhora
do Livramento, ao rezar o Memorare, o piissima Virgo
Maria. Aí consagrou-se à Virgem Maria
e decidiu dedicar sua vida a Deus através
de um voto de castidade. Certamente a experiência
de Deus misericórdia e amor o influenciaram
decisivamente em toda sua vida. Sua intensa e constante
vida na presença de Deus, seu equilíbrio
constante, sua serenidade inalterável e paciência
imperturbável em meio às contrariedades
eram características que nele se ressaltavam.
Aonde ele fosse, parecia que Deus ia junto com ele.
Humanismo
Certamente uma das contribuições da
espiritualidade salesiana para nossos dias é
o que podemos chamar de Humanismo Salesiano. No
entanto, nos parece oportuno fazer uma distinção:
O que é Humanismo, nos tempos
de São Francisco de Sales?
O humanismo foi um movimento intelectual
iniciado na Itália no século XV com
o Renascimento e difundido pela Europa, rompendo
com a forte influência da Igreja e do pensamento
religioso da Idade Média. Em um sentido amplo,
humanismo significa valorizar o
ser humano e a condição humana acima
de tudo. Tal movimento colocava o homem no centro,
ressaltando suas capacidades individuais. Usa o
modelo experimental como forma de aproximar-se da
verdade. Centra-se no homem, em oposição
ao teocentrismo. Por isso, em certo sentido, coloca-se
como inimigo da Igreja. O humanismo rompe com os
limites religiosos impostos pela Igreja, criando
um novo paradigma cultural na Europa.
As
três principais características
do Humanismo são: o Antropocentrismo, o Racionalismo
e o Cientificismo.
Apenas o próprio homem pode determinar o
critério do que é virtude ou pecado,
e não uma autoridade a ele transcendente.
O humanismo salesiano
O humanismo salesiano é teocêntrico.
O ser humano busca naturalmente a Deus, diz São
Francisco de Sales (TAD).
Mais precisamente, poderíamos dizer que o
humanismo salesiano é cristocêntrico:
-“O coração
é a fonte das ações e são
estas exatamente qual é o coração...
Quem abriga Jesus no coração, tê-lo-á
também em suas ações exteriores...
Filoteia, antes de tudo quisera gravar em teu coração
estas palavras sacrossantas: Viva Jesus!”
(Filoteia, III, cap. 23).
-“Eu vivo, mas não
sou eu já o que vive, pois Cristo é
que vive em mim” (Gl 2,20; Filoteia, III,
cap. 23).
Portanto, entendemos como humanismo salesiano
o ser humano em seu sentido pleno, vivendo a partir
de Deus e tendo Nele a fonte de sua vida cotidiana.
Contribuições
para hoje
Olhemos para algumas contribuições
relevantes da pessoa, do pensamento, da orientação
humana e espiritual de São Francisco de Sales
para o mundo de hoje. Além de fazer-nos notar
o valor e a sacralidade da vida humana, diante da
cultura do descarte, eis algumas contribuições
específicas a ressaltar:
- Sólidas referências
existenciais diante da rapidez e ‘liquidez’
do mundo de hoje
- Busca de um sentido da vida
- Promoção do relacionamento
e do diálogo sadios, num mundo da tecnologia
informática
- A fortaleza da interioridade:
a renovação começa do interior
- Oferta de valores que ultrapassam
o imediato, e que plenificam a vida humana
- Pastores que sejam compassivos,
testemunhos do amor e da bondade de Deus
- Abertura para novos tempos e
discernimento da vontade de Deus
- O cuidado com a casa comum
Sólidas referências existenciais diante
da rapidez e ‘liquidez’ do mundo de
hoje
“Quer elevemos nosso espírito à
contemplação, a fim de repousarmos
em Deus, quer nos exercitemos na prática
das virtudes para sermos úteis ao próximo
com nossas boas obras, façamos uma ou outra
coisa de maneira que só a caridade de Cristo
nos impulsione. É este o sacrifício
perfeito da purificação espiritual,
que não se oferece em templo feito por mão
humana, mas no templo do coração onde
Cristo Senhor entra com alegria” (José
Matos, H.C., Ao Amor pelo Amor, Mazza, 2021, Belo
Horizonte, p. 153).
“Os que estão com febre não
acham bom nenhum lugar; não ficaram ainda
um quarto de hora num leito e querem outro; não
é o leito que cria empecilhos, é a
febre que, por toda parte, os atormenta. A pessoa
que não tem a febre da vontade própria
se contenta com tudo” (Vidal, F. Às
Fontes da alegria com São Francisco de Sales.
São Paulo: Loyola, 1978, p. 78-79).
Uma vez, ao ser consultado sobre fazer sacrifícios
e sobre introduzir a prática do andar descalço
nas casas religiosas, Francisco de Sales disse:
“Que seja permitido o uso de sapatos, uma
vez que é mais necessário reformar
a cabeça do que os pés” (Cf.
Camus, J. P. Espírito e Doutrina de SFS,
Doutor da Santa Igreja. São Paulo: Livraria
Salesiana Editora, 1950, p. 151-152).
A uma senhora que tinha altos e baixos, e que estava
numa fase de desânimo, ele diz: “Sê
somente corajosa, filha muito querida. Nos roseirais
espirituais as coisas se passam diversamente do
que ocorre nos corporais. Nestes os espinhos duram
e as rosas passam; naqueles, os espinhos passarão
e as rosas hão de ficar” (Vidal, F.
Às Fontes da alegria com São Francisco
de Sales. São Paulo: Loyola, 1978, p. 178-179).
A uma Irmã, que se mostrava vacilante e apreensiva,
Francisco diz: “Enche todo o teu coração
de coragem, e tua coragem de confiança em
Deus; aquele que te deu os primeiros atrativos do
seu sagrado amor nunca te abandonará se nunca
o abandonares” (ibidem, p. 237).
Francisco toca na questão de usar um mecanismo
de fingimento sutil: “Muitas vezes dizemos
que não somos nada, que somos a própria
miséria e lixo do mundo; mas ficaríamos
bem pesarosos se nos tomasse ao pé da letra
e que dissessem que somos justamente isso que dizemos
ser... se tais palavras não saem de um espírito
extremamente persuadido da verdade de sua própria
miséria, são a flor da mais fina de
todas as vaidades” (ibidem, p. 64).
“Quer saber qual é o tempo mais apropriado
para servir ao Senhor? É o momento presente,
agora mesmo. Este é o verdadeiro tempo, pois
o passado já não nos pertence e o
futuro não está ao nosso alcance.
O tempo melhor para servir ao Senhor é o
momento de agora. Se quiseres recuperar o tempo
perdido, empenha-te, com fervor e diligência,
no tempo que te resta” (SFS, Sermões
16; O.C. IX, p. 132, em Todos os dias com São
Francisco de Sales, p. 90).
Busca de um sentido da vida
É pelo amor, e somente pelo amor, que podemos
tornar-nos um alter Christus, dizia o Salésio,
uma vez que só a caridade dá o sentido
derradeiro à vida” (José Matos,
H.C., Ao Amor pelo Amor, Mazza, 2021, Belo Horizonte,
p. 150-151).
“Em geral constatamos que os religiosos promovem
inúmeros encontros de trabalho, mas têm
dificuldade de se retirar para repousar na presença
de Deus e de encher-se de sua paz. E é aí
que aparece o perigo de cair no ativismo que esgota
e arruína a pessoa do consagrado, criando
um grande vazio interior” (ibidem, p. 146).
Promoção do relacionamento e do diálogo
sadios, num mundo da tecnologia informática
“Basta amar bem para falar bem” (SFS)
(Bianco, Enzo. Francisco de Sales: o santo da mansidão.
São Paulo: Ed Salesiana, p. 183).
“O humanismo devoto descobre, na pessoa de
Jesus e no seu duplo mandamento de amar a Deus e
ao próximo, o modelo e paradigma para todo
o comportamento humano” (cf Fiorelli, SFS:
Doctor of the Love of God) (p. 67-68).
A devoção, quando verdadeira, ela
é humanizadora e, como tal, contagiante.
A uma senhora, Francisco escreve que ela deve tornar
a devoção “amável a todos.
Tu a tornas amável se a tornas útil
e agradável. Os doentes gostarão da
tua devoção se forem caridosamente
consolados com ela; tua família, se te reconhecer
mais cuidadosa e desvelada no seu bem, mais amável
ao repreender, e assim por diante; seu marido, se
ele vir que à medida que a tua devoção
cresce és mais cordial no que lhe diz respeito
e mais suave na afeição que lhe dedicas;
teus pais e amigos, se reconhecerem em ti mais franqueza,
tolerância, condescendência com as suas
vontades que não se opuserem à de
Deus. Numa palavra, espera-se que tanto quanto seja
possível, tornes atraente a tua devoção”
(Vidal, F. Às Fontes da alegria com São
Francisco de Sales. São Paulo:
Loyola, 1978, p. 263).
No seu tempo, “algumas pessoas repreendiam
o santo bispo por julgá-lo bondoso demais
e excessivamente conciliador. Sua resposta era que
as pessoas são movidas mais pelo amor e pela
caridade do que pela severidade e pelo rigor, e
que sempre teve que se arrepender pelas pouquíssimas
vezes que recorreu a palavras mais duras. Atitudes
de mansidão e misericórdia para com
o próximo não significam fraqueza
ou bonacheirice, pelo contrário, demonstram
fortaleza de ânimo e domínio de si”
(Jeanguenin, G. São Francisco de Sales, “Fioretti”.
Brasília: SDB, 2014, p. 9).
A fortaleza da interioridade:
a renovação começa do interior
“Temos diante de nós um cristão
de profunda vida interior e de intensa atividade
apostólica. De fato, Francisco de Sales cultivou,
com esmero, a interioridade ou ‘devoção’,
tendo em vista sua transformação in
Christo (José Matos, H.C., Ao Amor pelo Amor,
Mazza, 2021, Belo Horizonte, p. 150-151).
(...) No processo de beatificação
do Salésio, iniciado em Paris, no mês
de abril de 1628, São Vicente de Paulo, que
foi amigo íntimo do Bispo de Genebra, testemunhou:
‘Observei nele o ardente desejo de se assemelhar
ao Filho de Deus. Aliás, conformou-se tanto
ao seu Mestre que, inúmeras vezes, com incontida
admiração, eu me perguntava como uma
simples criatura podia chegar a tão alto
grau de perfeição, considerando a
fragilidade humana’ (Dodin, A. Francisco de
Sales e Vicente de Paulo: dois amigos, S. Paulo:
Loyola, 1990, p. 74) (ibidem).
Cada pessoa pode aspirar à santidade. Mas
para isso não bastam boas intenções.
É preciso assumi-las decididamente. “Nunca
devemos deixar de fazer bons propósitos,
mesmo sabendo que será difícil executá-los.
Façamos as nossas resoluções
com tanta firmeza como se tivéssemos suficiente
coragem para sair bem sucedidos”, pois sabemos
que a força do Senhor vai operar em nós
(OSFS. Todos os dias com SFS, p. 276).
Para alcançar a vida de santidade –
vocação à qual todos somos
chamados – requer-se que a pessoa entre num
processo que inclui três elementos, intrinsicamente
vinculados entre si:
1) A união com Jesus,
2) a transformação interior em outro
Cristo e
3) a fiel observância do duplo mandamento
do amor.
“União com Jesus começa pela
nossa reflexão orante sobre sua pessoa e
obra de salvação. Isso, por sua vez,
leva à nossa transformação
gradual em outro Cristo. Na medida em que isso ocorre,
começamos a viver e agir cada vez mais conforme
Jesus na sua relação de amor com Deus
e com o próximo” (cf. Fiorelli, Salesian
Mysticism).
Para Francisco, a verdadeira devoção
humaniza: leva à solidariedade e é
aberta à transcendência. Sua espiritualidade
leva a uma constante busca de Deus e a um ardente
desejo de estar com o Senhor. A pessoa devota tem
os olhos fixos em Deus, pois a vida de santidade
é dom e obra do Senhor. Tal dinâmica
de vida conduz a uma constante purificação
das segundas intenções e do que é
inautêntico. Isso inclui um processo de conversão
interior. Tal vida autêntica conduz à
paz de coração, que se manifesta na
serenidade e na paciência, assim como na perseverança
na prática do bem (José Matos, H.C.,
Ao Amor pelo Amor, Mazza, 2021, Belo Horizonte,
p. 133).
Para São João Bosco, a qualidade das
obras apostólicas está diretamente
relacionada com a qualidade da vida espiritual de
seus membros e, mais especificamente, da oração
e sua forma específica de meditação
(José Matos, H.C., Ao Amor pelo Amor, Mazza,
2021, Belo Horizonte, p. 145).
Promoção de
valores que ultrapassam o imediato, e que plenificam
a vida humana
“Oh! Como é venturosa a alma que se
porta com fidelidade e resignação
nos desamparos e securas sensíveis! Aqui
está o crisol, onde perfeitamente se refina
o ouro da caridade mais pura. E bem-aventurado aquele
que sofre com paciência esta prova; porque,
sendo assim depurado, receberá por fim a
preciosa coroa que Deus promete aos que deveras
o amam e são por ele amados” (Cf. Camus,
J. P. Espírito e Doutrina de SFS, Doutor
da Santa Igreja. São Paulo: Livraria Salesiana
Editora, 1950, p. 102).
Às Irmãs da Visitação
Francisco recomenda: “Securas, tristezas,
desamparos interiores, noite do espírito,
nada disso vos perturbará a paz, porque esses
estados, se por um lado nos encobrem a visão
de Cristo, não nos privam da sua presença”
Em suma: “Não se deve pedir nem recusar
coisa alguma, mas deixar-se ficar nos braços
da Providência divina, sem se entreter com
nenhum desejo, e sim querendo o que Deus quer de
nós... Toda a perfeição está
na prática deste ponto” (ibidem, p.
217 e 114).
“Uma pessoa que se apega ao exercício
da meditação, quando por um ou outro
motivo tem de interrompê-lo, sai (da meditação)
aborrecida, aflita e espantada, enquanto outra,
que tem a verdadeira liberdade, sai com uma fisionomia
inalterada e um coração gentil e afável,
sem mostrar incômodo porque tudo lhe é
indiferente: servir a Deus meditando ou servi-lo
suportando o próximo que causou o transtorno”.
Sabe que ambas as coisas expressam a vontade de
Deus, mas, nesse caso, suportar o próximo
é uma atitude mais de acordo com os ensinamentos
do Senhor (Vidal, F. Às fontes da alegria
com São Francisco de Sales, Loyola, p. 103)
(p. 110).
Conversão requer mente aberta e intenção
de acordo com a vontade de Deus. As boas obras sejam
praticadas em espírito de humildade, ocultando-as,
quanto possível, aos olhos dos homens, para
serem vistas só por Deus. Francisco desejava
que nada se fizesse pelo baixo fim do louvor humano.
Ele nos ajuda a sairmos da dinâmica da autorreferencialidade,
a qual escraviza, e insere-nos na dinâmica
libertadora do amor. É o caminho da autêntica
felicidade e realização humana (José
Matos, H.C., Ao Amor pelo Amor, Mazza, 2021, Belo
Horizonte, p. 134).
Pastores que sejam compassivos,
testemunhos do amor e da bondade de Deus
O Doctor Amoris deixa transparecer em sua pessoa
e obra que o amor verdadeiro se manifesta num coração
‘manso e humilde’ (Mt 11,29), revestido
da doçura de uma pessoa que se tornou, ela
mesma, amável! Na amabilidade de Jesus, os
Evangelhos nos revelam quem Deus é na sua
profundidade: um Pai compassivo que ama sem medida”
(José Matos, H.C., Ao Amor pelo Amor, Mazza,
2021, Belo Horizonte, p. 153).
Charles de Foucauld (1858-1916), o ermitão
do deserto e ‘irmão universal’,
a ser canonizado em breve, dizia que ‘o amor
é o meio mais poderoso de atrair o amor,
porque amar é o meio mais poderoso de fazer-se
amar...’. Numa das suas reflexões comenta:
‘Meu apostolado deve ser o apostolado da bondade.
Quem me vê deve pensar: já que esse
homem é tão bom, sua religião
deve ser boa. E se me perguntarem porque sou manso
e bom, devo responder: porque sou servo de um outro
muito melhor do que eu. Ah! Se vocês soubessem
como é bom o meu Senhor Jesus. Gostaria de
ser tão bom, que se pudesse dizer: se o servo
é assim, como não será, então,
o Senhor?’” (ibidem, p. 155-156).
“É com a caridade que se deve abater
as muralhas de Genebra, é com a caridade
que é preciso invadi-la, com a caridade é
que se deve reconquistá-la” SFS (Bianco,
Enzo. Francisco de Sales: o santo da mansidão.
São Paulo: Ed Salesiana, p. 125).
No processo de beatificação de Francisco
de Sales, Joana de Chantal disse, em seu depoimento:
“Reconheci claramente, pelas palavras e pelas
ações de nosso bemaventurado pai,
que o amor de Deus exercia soberana autoridade e
pleno domínio sobre todas as suas paixões
e afeições. Sustento ser verdade notória
e pública que todos os atos de sua vida foram
o efeito e a prova deste santo amor de Deus, que
dominava tão poderosamente em sua alma”
(Margerie, Amadée de. S. Francisco de Sales,
Bispo de Genebra e Doutor da Igreja. Juiz de Fora:
Livraria Editora “Lar Católico”,
1942, p. 67).
Francisco de Sales dá muita importância
à bondade, à tolerância e à
paciência nos relacionamentos humanos. Ele,
pessoalmente, encarnava tais virtudes em sua vidacotidiana,
o que grandemente contribuía para a aproximação,
a reconciliação e a paz. É
o Papa Francisco que o confirma, dizendo que o cultivo
da bondade “dá uma consciência
tranquila, uma alegria profunda, mesmo no meio de
dificuldades e incompreensões. E até
perante as ofensas sofridas, a bondade não
é fraqueza, mas verdadeira força,
capaz de renunciar à vingança”
(FT n. 243).
Muitas vezes a alegria vem acompanhada de jovialidade
e de humor, que são qualidades de quem está
de bem com a vida e sabe relativizar o que não
é essencial para a felicidade. Francisco
era uma pessoa alegre e, por isso, seu espírito
de humor tantas vezes se fazia notar. Conta-se que
um dia passava pela rua um homem muito rico e vaidoso.
Montado num cavalo branco, passava de modo solene,
exibindo com orgulho uma armadura brilhante. Francisco,
observando, via que as pessoas, tomadas de respeito,
se inclinavam em sinal de respeito. Sem perder a
pose, exclamou em alta voz: “Pobrezinho, não
se dá conta de que estão saudando
seu cavalo e sua armadura, e não a ele!”
(Jeanguenin, Gilles, São Francisco de Sales,
Fioretti, SDB p. 48).
Abertura
para novos tempos e discernimento da vontade de
Deus
Às Irmãs Visitandinas, que o rodeavam
no seu leito de morte: “O que temos de fazer
é não pedir nada, não recusar
nada, mas procurar aceitar com gratidão tudo
o que aprouver a Deus dar-nos”. (Margerie,
Amadée de. S. Francisco de Sales, Bispo de
Genebra e Doutor da Igreja. Juiz de Fora: Livraria
Editora “Lar Católico”, 1942,
p. 183)
“É um erro pensar que as ocupações
diárias os afastam do amor divino... Deixar
de as fazer sob o pretexto que dificultam a oração,
o silêncio e o recolhimento é um grande
engano. Quem age assim busca, no fundo, mais a si
mesmo do que a Deus. Ser omisso aos deveres do próprio
estado, alegando desejar maior devoção
e piedade, é inverter as coisas. Deus quer
ser servido segundo a sua vontade e não segundo
os nossos caprichos. Santificamo-nos, de verdade,
quando a vontade divina prevalece sobre a nossa
vontade” (Cf. Camus, J. P. Espírito
e Doutrina de SFS, Doutor da Santa Igreja. São
Paulo: Livraria Salesiana Editora, 1950, p. 225).
Francisco de Sales não duvidava que “a
vontade de Deus era absolutamente tudo para Jesus.
Também deve ser tudo para quem, hoje, vive
Jesus. Qualquer que seja a sua expressão,
a vontade divina e o nosso agir para cumpri-la ou
sofrer sem abraçá-la, é uma
questão que Francisco chama de santa indiferença.
Semelhante a Jesus, nós simplesmente confiamos
em Deus e aceitamos que, como já sabemos,
tudo ficará bem em suas mãos. Foi
assim que Jesus viveu sua vida e aceitou a sua morte...
A sabedoria cristã é encontrada nesta
verdade e a santidade cristã é realizada
nesta união” (Fiorelli, Lewis. Inspired
Common Sense Seven Fundamental Themes of Salesian
Spirituality. OSFS: Desales Resources and Ministries,
2021, p. 60-61).
O cuidado com a casa comum
Hoje a amabilidade não pode ficar limitada
às relações inter-humanas,
mas deve abranger igualmente o cuidado para com
a Casa Comum, a Mãe Terra. O empenho por
uma ecologia integral requer abertura em relação
a categorias que transcendem vantagens materiais
friamente calculadas. Papa Francisco comenta que
devemos aproximar-nos da Natureza com admiração,
afeto e encanto (José Matos, H.C., Ao Amor
pelo Amor, Mazza, 2021, Belo Horizonte, 156).
‘Se deixarmos de falar a linguagem da fraternidade
e da beleza na nossa relação com o
meio ambiente, então as nossas atitudes serão
as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador
dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite
aos seus interesses imediatos. Pelo contrário,
se nos sentirmos intimamente unidos a tudo que existe,
então brotarão de modo espontâneo
a sobriedade e a solicitude’ (LS, n. 11)”
(ibidem).
Por fim...
“Transcrevemos o perfil do Doctor Amoris,
traçado, com sensibilidade e delicadeza,
pelo Papa Paulo VI (1963-1978), na sua Carta apostólica
Sabaudiae Gemma (29-1-1967), por ocasião
do 4º Centenário do Nascimento de São
Francisco de Sales.
O santo Bispo de Genebra era dotado de ‘aguda
intuição de espírito; inteligência
forte e esclarecida; juízo penetrante; admirável
bondade e gentileza; doce sorriso no rosto e na
palavra; ardor silencioso de espírito sempre
ativo; rara simplicidade de vida, com modesta referência
à sua descendência nobre; paz serena
e tranquila; moderação sempre inalterável
e segura, mas associada à fortaleza –
a doçura nasce de quem é forte –
com a qual sabia amar ternamente, mas não
desprovido de firmeza a fim de alcançar seu
objetivo sublime elevação de mente
e amor à beleza, ansioso para dar aos outros
os bens mais elevados: o céu e a poesia;
zelo quase ilimitado pelas almas e amor de Deus
que, qual sol fulgurantíssimo antecipa em
si mesmo as demais virtudes. E todos esses donssão
sublimados e aumentados pela superabundância
da graça divina. Eis aí em linhas
mestras a imagem da nobre figura de São Francisco
de Sales’.
Pe. Aldino J. Kiesel, OSFS